Exu Cainana

Exu Cainana é uma entidade fascinante das tradições afro-brasileiras, particularmente na Umbanda, que apresenta características únicas ligadas ao simbolismo das serpentes e a mitologias indígenas. Sua história combina elementos das religiões de matriz africana com lendas amazônicas, criando uma figura complexa e poderosa.

Exu Cainana é conhecido em algumas tradições como uma entidade com características reptilianas, artisticamente representado em formas que remetem a serpentes. O nome Cainana deriva diretamente da cobra caninana (Spilotes pullatus), uma espécie não venenosa da família Colubridae, nativa da América Central e América do Sul, que pode atingir até 2.50 metros de comprimento.

Esta entidade é considerada parte de uma Falange de Exus que recebem nomes de cobras, estabelecendo uma ligação mágica entre o reino reptiliano e a espécie humana. Na prática religiosa, quando os pontos cantados mencionam “Caninana” durante as giras, Exu Cainana pode se manifestar com grande força nos médiuns.

A figura de Exu Cainana na Umbanda está profundamente ligada à lenda amazônica dos irmãos Caninana, especialmente Maria Caninana. Segundo a mitologia:

Maria Caninana e seu irmão Norato eram filhos gêmeos de Boiaçu (a Cobra Grande) com uma índia que se banhava em um igarapé em noite de luar. Ao nascerem como cobras com capacidade de se transformar em humanos, foram abandonados pela mãe às margens do rio.

Enquanto Norato era bondoso e se relacionava bem com os humanos, Maria Caninana era geniosa e malvada – virava barcos, furava redes, afogava homens e devorava peixes pequenos, nutrindo grande ódio pelas pessoas. Uma lenda marcante conta que durante uma briga, Maria Caninana arrancou um dos olhos do irmão, levando Norato a enganá-la e prendê-la no Estreito de Óbidos, onde supostamente ainda causa redemoinhos que engolem pessoas desavisadas.

Na adaptação umbandista, os irmãos Caninana se tornaram conhecidos como Cainana, sendo Maria Caninana associada à linha de Pomba Giras.

Na prática religiosa, Exu Cainana apresenta algumas particularidades interessantes:

Apesar do nome de cobra (que normalmente remete a Oxumaré), Exu Cainana atua na Linha de cura e reforma íntima, sendo mais ligado a Obaluaiê. Assim como a cobra caninana que faz a limpeza de roedores e animais nocivos em propriedades rurais, Exu Cainana atua na limpeza espiritual da vida dos devotos, removendo influências negativas.

A cobra caninana naturalmente não ataca humanos a menos que seja incomodada, essa característica se reflete na forma como Exu Cainana se relaciona com os fiéis, agindo de forma protetora.

Algumas tradições sugerem que Exu Cainana pode ter entrecruzamentos com os Exus falangeiros de Oxóssi, ampliando seu campo de atuação.

Exu Cainana representa a dualidade presente em muitas entidades das tradições afro-brasileiras:

Como ser que transita entre formas humanas e de cobra, simboliza a capacidade de mudança e adaptação. A associação com a poderosa cobra caninana remete ao poder bruto da natureza, tanto para destruição quanto para proteção. Sua ligação com Obaluaiê destaca aspectos de cura física e espiritual, bem como a necessidade de reforma íntima. Como todo Exu, Cainana atua como guardião e fiscalizador das leis espirituais, trazendo consequências para ações negativas.

A história de Exu Cainana ilustra como as tradições religiosas afro-brasileiras absorveram e ressignificaram elementos das culturas indígenas, criando um rico sincretismo que continua a evoluir até hoje. Sua figura desafia classificações simples, representando tanto o perigo quanto a proteção, tanto a fúria quanto a cura, um reflexo da complexidade das forças da natureza e da condição humana.

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