Nas minhas andanças pela região do baixo Tocantins em atividades profissionais de Assistência Técnica e Extensão Rural era comum ouvir relatos dos ribeirinhos sobre “A Lenda do Açaí”, que adaptando-a à realidade vivenciada no local, a reescrevo para deleite dos leitores amantes desse gênero de arte literária. Então, vamos aos relatos!
Os ribeirinhos verbalizavam em suas narrativas sobre a lenda, que há muitos anos, antes da existência da cidade de Belém do Grão Pará, vivia nessa localidade uma tribo indígena, cuja população crescia aceleradamente. E que, com o aumento populacional, os alimentos passaram a ficar escassos, tornando difícil a sobrevivência do povo da aldeia.
Como a base da alimentação da tribo era originária da caça e da pesca e da coleta de frutos silvestres, abundantes nas várzeas, igapós e terra firme da localidade, no início não havia dificuldade em conquista-los, embora esse povo fosse sedentário. As atividades extrativas vegetal, animal e mineral empregada pelos indígenas não afetavam seus estilos de vida.
Quando a caça e a pesca e a coleta de frutos silvestres começaram a escassear, os até então indígenas sedentários passaram a abandonar o sedentarismo, transformando-se em nômades, à procura de alimentos em outras paragens distantes da tribo. Mesmo assim, a produção de alimentos continuava insignificante, forçando os indígenas a buscar outros produtos em seu território que pudessem alimentar suas famílias.
A difícil situação para alimentar os índios forçou o cacique da tribo, Itaki, a tomar uma decisão bastante cruel para o povo indígena sob seu comando. A partir daquele dia de conversações com a tribo, ele decidiu que todas as crianças que nascessem na naquela aldeia seriam sacrificadas para controlar e evitar o aumento populacional da tribo, freando a fome que já crescia nas famílias tribais.
Certo dia, no entanto, a filha do cacique que tinha o nome de Iaçá, deu à luz a uma linda menina, que também teve que ser sacrificada. Iaçá ficou desesperada com aquela crueldade imposta por seu pai, e todas as noites chorava com saudades de sua amada filhinha. Vários dias amargurada, a filha do cacique não saiu de sua tenda. Em oração, ela pedia a Tupã que mostrasse a seu pai outra maneira de ajudar seu povo, sem sacrificar as pobres e inocentes crianças que deveriam ter direito à vida.
Depois das orações e incontrolável paixão pela perda da cunhatã, numa noite de lua, Iaçá ouviu o choro de criança que vinha do exterior de seu aposento. Aproximou-se da porta de sua oca, e viu sua bela filhinha sorrindo ao pé de uma esbelta palmeira. Ficou espantada com a visão. Imediatamente, lançou-se em direção à sua cunhatã, abraçando-a. Mas, misteriosamente, a menina desapareceu como num rápido facho de luz. Iaçã ficou inconsolável e chorou muito até desfalecer.
No dia seguinte, seu corpo foi encontrado abraçado ao tronco da esbelta palmeira. No rosto de Iaçá havia um sorriso de felicidade plena. Seus olhos negros fitavam o alto da palmeira, que se encontrava carregada de cachos com frutinhos escuros amadurecidos, insinuando que ali estava a saída para salvar as crianças da morte.
A experiência da tribo na confecção de artesanatos usando recursos da natureza, resultando na produção e uso de alguidares de barro e rasas e peneiras confeccionadas com talas de guarumã, cipó titica e jacitara, já era conhecida nas atividades tribais.
Vendo e analisando aquela cena, o cacique Itaki ordenou que seus comandados apanhassem os cachos com os frutinhos negros e os debulhassem em rasa e, em seguida, fossem amassados manualmente em alguidar de barro cozido. Ato contínuo, recomendou que fossem coados em peneiras confeccionadas com talas de guarumã, obtendo saboroso vinho avermelhado que foi batizado como açaí, em homenagem a índia Iaçá, cujo nome lido de trás para frente, formava a palavra açaí.
Com o saboroso suco do açaí, o cacique alimentou seu povo. A partir daquele dia, suspendeu a ordem de sacrificar as inocentes crianças, em respeito à vida. E a tribo voltou a viver feliz, em perfeita harmonia com a natureza, com farta produção de açaí para alimentar a população indígena, sem ter que cometer a crueldade de matar as amáveis crianças da tribo.